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quarta-feira, 15 de junho de 2011

UMA FAMILIA BEM BRASILEIRA

Grande sucesso na TV em 2011, novela Rebelde, da Record, retrata o negro sem se render a estereótipos

Há dois meses no ar, a novela Rebelde (exibida na Record, de segunda à sexta, às 19h00), escrita por Margareth Boury e dirigida por Ivan Zettel, vem apresentando ótimos índices de audiência, sobretudo, entre o público adolescente. A trama, que narra os conflitos de um grupo de jovens que estuda no internato Elite Way, é a versão brasileira do bem-sucedido folhetim eletrônico mexicano, que durante alguns anos foi também uma verdadeira febre entre adolescentes de toda a América Latina.
 se o bom desempenho da audiência da adaptação nacional já é suficiente para que o elenco envolvido no projeto comemore, para uma parte dele, formado pelos atores Zezé Motta, Antônio Pompêo, Rocco Pitanga, Michel Gomes e Juliana Xavier, há ainda razões mais fortes para celebrar. Interpretando os personagens da família Alves, eles dão vida ao núcleo negro da novela. Mas, o que seria pretexto para a existência de uma enxurrada de estereótipos e, num outro viés, um palanque televisivo para discursos sobre conflitos raciais, a família Alves chama a atenção justamente pelo contrário: é o retrato de uma família típica de classe média, com todos os dramas e as alegrias vividas por milhões de pessoas pelo Brasil afora.
RAÇA BRASIL reuniu os atores que representam a família Alves – a única falta foi a de Michel Gomes, ausente por motivos particulares –, no apartamento da atriz e cantora Zezé Motta, no bairro da Lagoa, zona sul do Rio de Janeiro.
Durante a conversa descontraída, discutimos temas como a evolução e os avanços da presença do negro na teledramaturgia brasileira, mercado de trabalho e o futuro para as novas gerações. “Estou muito feliz e emocionada com este trabalho. Sou do tempo em que o negro nas novelas não tinha família.

"Não precisamos mais de lamúrias e discursos, pois a nossa presença como uma família ‘normal’ na novela rebelde já é, por si só, um ato político" Zezé Motta

Os personagens negros viviam a reboque sem um melhor desenvolvimento nas tramas. O que me emociona neste trabalho é que fizemos parte de um movimento que sempre buscou virar esse jogo e, depois de décadas, estamos colhendo os frutos dessa luta que teve origem na formação do Teatro Experimental do Negro (TEN), passando pela criação do Centro de Documentação do Artista Negro (CIDAN), nos anos 80”, afirma Zezé.
Na trama, Lupi (Rocco Pitanga), João (Michel Gomes) e Beatriz (Juliana Xavier) são filhos de Alceu (Antonio Pompêo) e Dadá (Zezé Motta). De origem humilde, eles conseguem ascender socialmente em função do sucesso do filho mais velho no mercado de tecnologia da informação. A escalada social, porém, não fará com que eles reneguem as suas raízes, já que continuam vivendo no mesmo bairro da periferia. A exceção fica com João, estudante do colégio Elite Way, que não aceita essa situação e, ao longo da trama, vai extravasar essa insatisfação num comportamento rebelde, trazendo problemas, principalmente para a mãe, dona Dadá, caracterizada como uma mulher forte, equilibrada, típico das matriarcas. “O meu personagem tem uma personalidade muito complicada. Primeiro, porque ele quer ser o centro das atenções e, por isso, está sempre em conflitos com a irmã adotiva. Em segundo lugar, ele não suporta a ideia de ter que permanecer morando no subúrbio, principalmente porque Lupi, o irmão mais velho, conseguiu sucesso financeiro na sua profissão, mas a família recusa-se a deixar o bairro de origem”, conta Michel Gomes, sobre o seu personagem.
Além disso, a família passa pelas agruras provocadas pelo alcoolismo do pai, Alceu, drama esse que acomete milhões de famílias brasileiras em todas as classes sociais. Já Bia – adotada pela família Alves – apesar de vaidosa, mostrará que o amor entre pais e filhos independe da questão biológica e étnica.

“O PÚBLICO É QUE DETERMINA”
Nossos entrevistados observam, de uma forma geral, que o futuro para o ator negro no Brasil parece ser bem mais promissor, porém, para que não haja um revés nesse processo, Pompêo alerta que esta boa fase não pode ser passageira e pede para que o público se manifeste de forma ampla. “O público é que determina. Se ele não cobrar de forma permanente, essa onda passa. Por isso, é preciso que o espectador que está acompanhando e gostando da nossa participação se manifeste pela internet, pelas mídias sociais e marque posição em relação a uma maior participação de atores negros nas novelas brasileiras.”
A esperança de Rocco Pitanga é que a discussão sobre a participação do negro na televisão não exista mais daqui há 50 anos. “Iremos refletir como foi o passado e o processo no qual passamos para chegarmos e alcançarmos o nosso objetivo maior”, diz o intérprete de Lupi. Juliana Xavier – a caçula da família na trama e também entre o time de atores – torce para que as previsões de Rocco se concretizem. “Esta entrevista foi muito válida. Como o nosso tempo é corrido, pois temos que gravar, estudar e decorar textos, nunca tivemos tempo para falar sobre o assunto. Mas tenho aprendido bastante e fico muito feliz em testemunhar e fazer parte desta historia de luta.”
E tão importante quanto pensar no futuro é poder olhar o passado com olhos de aprendiz e relembrar a longa caminhada que atores e atrizes negros trilharam até chegar nesse favorável estágio atual, principalmente para os mais experientes. “Quando, há mais de trinta anos, eu, um ‘capiau’ deixei o interior de São Paulo para me tornar ator, muita gente disse que esse seria um sonho impossível de ser realizado. Hoje, posso dizer que sou um ator realizado e agradeço aos meus orixás por isso”, comenta Pompêo. Zezé Motta arremata: “Fico muito contente em meus 66 anos de idade, em ver esta mudança e, ainda estar na ativa, com saúde e prestígio. Por isso, só tenho o que celebrar”, comemora.
Para o jovem Michel Gomes, a participação de atores negros em novelas vem melhorando, não só em quantidade, mas também em qualidade nos papéis. “No meu caso, tenho encarado com muita alegria o meu personagem, pois ele foge do estereótipo que muitos atores negros tiveram que interpretar no passado; escravo, bandido, favelado, porteiro, cozinheira etc. Ele mesmo, quando foi protagonista do filme Última Parada 174, ficou com receio de que só poderia interpretar bandidos, porém, fez uma novela na Globo, Viver a Vida, como um jovem de classe média e, agora na Record, como João, juntamente com outros atores negros. “Isso significa que está tendo melhor oferta de trabalhos para nós. E a novela Rebelde está mostrando isso, mostrando em cena uma família inteira composta por negros sem estereotipá-los.”

OUTROS TEMPOS, OUTRAS LUTAS
Os desafios para a inclusão do ator negro foram, com certeza, bem diferentes daqueles enfrentados por atores da geração de Zezé Motta e Antonio Pompêo. Ela lembra que nos anos 70 não conseguia projeção nem mesmo em fotonovelas. Anos mais tarde, em 1984, Zezé causou grande furor ao interpretar uma paisagista que se envolve numa relação interracial na novela Corpo a Corpo, de Gilberto Braga. Na ocasião, a atriz sentiu na pele a reação negativa por parte da audiência. “As pessoas se assustam muito com o novo.
Lembro das péssimas reações do público, que chegava a enviar cartas ofensivas para mim, ao ator Marcos Paulo (com quem fazia par romântico) e à direção da Globo”, relembra Zezé. Corpo a Corpo foi a primeira novela que retratou uma família negra de classe média – a abordagem só foi aparecer novamente em uma trama na televisão brasileira dez anos depois em A Próxima Vítima, escrita por Silvio de Abreu. Zezé conta que durante o tempo de exibição de Corpo a Corpo começou a pensar em maneiras de reverter este quadro. “Eu percebia que nas novelas não se permitiam colocar dois atores negros interpretando personagens com o mesmo papel de destaque. Se eu estivesse numa novela, outra atriz não poderia estar e vice-versa. Foi então que lembrei da frase da Lélia Gonzalez (importante ativista do movimento negro): ‘Não temos tempo para lamúrias, temos que arregaçar as mangas e fazer alguma coisa para mudar isso’.
Comecei a fazer um arquivo de atores negros. Nós, do movimento, chegamos à conclusão que tínhamos que nos organizar e não ficar esperando por uma atitude paternalista. Então, em 1984, criamos o Centro de Informação e Documentação do Artista Negro (CIDAN), que hoje conta com cerca de 500 atores associados”, explica a atriz. Um dos mais importantes projetos implementado pelo CIDAN é o Curso de Arte Dramática nas comunidades. Chamado de A Arte de Representar a Dignidade, o curso não se restringe à formação de atores. Leva também conceitos de cidadania aos jovens de comunidades carentes como Mangueira, Macaco e Andaraí, Gamboa, Cantagalo, Pavão-Pavãozinho e Cruzada São Sebastião. Na avaliação de Zezé, a importância do projeto reside no fato de existirem inúmeros talentos que podem ser perdidos por falta de oportunidades.

"Quando se fala em qualificar o jovem para o mercado de trabalho, sempre fazem menção a diversas profissões técnicas, mas se esquecem de falar da profissão de ator"

Eu mesma, se não tivesse conseguido uma bolsa de estudos no Tablado (conceituado curso de formação de atores carioca), provavelmente não teria 40 anos de carreira.” A atriz enfatiza que cursos de arte dramática precisam ser encarados como centros de capacitação profissional. “Quando se fala em qualificar o jovem para o mercado de trabalho, sempre fazem menção a diversas profissões técnicas, mas se esquecem de falar da profissão de ator”, lamenta. Atualmente, o A Arte de Representar a Dignidade está parado por falta de patrocínio. Antônio Pompêu argumenta que o CIDAN nasceu por uma necessidade de incluir atores negros na televisão, nos comerciais e na mídia em geral, porém a situação mudou.
“Verificamos que o mercado está muito saturado, ou seja, há mais oferta do que demanda. Então, resolvemos ampliar o leque, pois sabemos que muitos deles não conseguirão entrar e não seria interessante para nós que esses jovens saíssem do universo da dramaturgia. Por isso, estamos trabalhando para que haja curso de maquiador, iluminador, contra-regra e outras funções para que esse jovem negro consiga ser inserido no meio totalmente capacitado”, conclui o ator, atual presidente do CIDAN.


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