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terça-feira, 12 de abril de 2011

O EX-MINISTRO E A SENZALA

Data: 11/04/2011

A declaração do economista e ex-ministro Delfim Netto neste domingo (4/4), no programa "Canal Livre", da TV Band, que comparou as empregadas domésticas a animais em extinção, evidencia o quanto estamos distante do conceito de igualdade, aqui compreendida em todos seus aspectos.

Delfim Netto personaliza o pensamento persistente de um Brasil colonial, que enxergava negras e negros como seres inferiores, feitos para servir a uma elite branca. Séculos nos distanciam daquele período, mas a fala do ex-ministro demonstra que essa cultura escravocrata permanece, lamentavelmente, até os dias atuais. Disse Delfim Netto: "a empregada doméstica, infelizmente, não existe mais. Quem teve este animal, teve. Quem não teve, nunca mais vai ter". Mais do que uma afirmação infeliz, a comparação demonstra o total desrespeito, a desvalorização e a invisibilidade, além do desconhecimento sobre a realidade da valorosa atividade das quase sete milhões de mulheres trabalhadoras domésticas.

No Brasil, o trabalho doméstico é a ocupação que agrega o maior numero de mulheres, 15,8% do total da ocupação feminina, de acordo com dados disponibilizados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 2008), do IBGE. E a maioria dessa categoria é formada por mulheres, sobretudo negras. Desse total, a despeito de todos os incentivos governamentais para formalização da atividade, 73,2% não têm carteira assinada e, por conseguinte, não contam com qualquer amparo trabalhista e previdenciário previstos para todas trabalhadoras e trabalhadores.

A informalidade acarreta uma série de violações de direitos, como carga horária bem acima do limite legal, excesso de horas trabalhadas sem remuneração extra, salários abaixo do mínimo estabelecido, entre outros. Segundo esse levantamento da PNAD 2008 - período em que o salário mínimo era de R$ 415,00 -, o rendimento médio mensal entre as trabalhadoras com carteira assinada era de R$ 523,50. Do total que ainda estão na informalidade, a média caia para R$ 303,00 (27,0% abaixo do teto salarial), sendo a condição das trabalhadoras domésticas negras era ainda pior: elas não percebiam mais de R$ 280,00, ou seja 67,4% do salário mínimo.

O conjunto dessas informações demonstra que, mesmo em uma ocupação tradicionalmente feminina e marcada pela precariedade, as mulheres, e em especial as negras, encontram-se em situação mais desfavorável do que os homens, refletindo a discriminação racial, a segmentação ocupacional e a desigualdade no mercado de trabalho.

O governo federal tem feito esforços para regularização da atividade, incentivando o empregador através de descontos no Imposto de Renda, entre outras ações. Temos como desafio eliminar a desigualdade vivida por mulheres trabalhadoras domésticas no mundo do trabalho. Isso significa não só abordar os aspectos legais, mas de reconhecer e enfrentar o pensamento escravocrata que ainda persiste em parte da sociedade.

É lamentável que ainda hoje alguém pronuncie em rede de TV, sem qualquer sombra de constrangimento, o preconceito e a discriminação. Para além da formalização da categoria, o país tem compromissos com a igualdade de gênero e raça, inclusive como signatário de tratados internacionais de direitos humanos.

As declarações do ex-ministro Delfim Netto expõem a face perversa do racismo, do preconceito e o pressuposto de que as pessoas são diferentes e que, portanto, são ou não merecedoras de direitos. Por essa visão, existem os animais e seus "donos". Identificar os discursos que perpetuam a cultura da desigualdade significa combater a violência dissimulada e a mais explícita, que impedem os avanços sociais, o reconhecimento da cidadania, do tratamento igualitário para todas e todos e, por decorrência, da democracia.

Iriny Lopes
Ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM)

Pensando e repensando 
a questão racial no Brasil
por
Gabriel Marques (*)
            Existe um passado que o Brasil faz questão de esquecer, que não aparece nos livros e não é contado nas escolas. Por muito tempo o disfarce da 'democracia racial' escondeu a realidade dos morros, das disparidades no acesso à educação, ao trabalho e a tantos outros campos do dia-a-dia do país. O Brasil começa a mostrar a sua cara com a gradual desconstrução da fantasia do paraíso racial.
            Existe uma enorme dificuldade em se admitir que o Brasil ainda mantêm fortes traços de uma sociedade racista; pois, afinal, o racismo é um mal cruel e inaceitável e ninguém quer ser identificado com tão perverso atributo. Entretanto, as mais diversas estatísticas demonstram claramente a falácia da idéia oficial de "democracia racial" no Brasil. Tais dados mostram uma realidade perversa, a de "um país, duas nações", onde negros, aqui chamados pretos e pardos, além de literalmente mais de uma centena de outras variações de cor, aparecem em situação de exclusão social: os negros compõem as altas taxas de analfabetismo, dos que vivem em miséria, da grande massa dos que recebem o salário mínimo e que agora engordam as estatísticas dos desempregados. Apesar de tão desconcertante situação, poucos são ainda os que se aventuram a tratar abertamente a questão.
            O Brasil é o país com a maior população negra fora da África; são cerca de 80 milhões de pessoas; mas estranhamente não estão nas universidades, não ocupam postos políticos de alto e baixo escalão, não são nem empresários nem grandes proprietários rurais, não figuram nas propagandas, não estão nos postos de comando das Forças Armadas - parecem mesmo não ser coisa alguma, com poucas exceções.
            Na raiz destas disparidades estão os processos históricos de exploração econômica e humana, cujas estratégias de dominação incluíram dentre outras coisas, a supressão da história do povo oprimido, a queima de seus livros, a destruição de seus monumentos e o desaparecimento de seus heróis, além da obrigatoriedade do aprendizado da história do povo dominante. Ainda que tal processo possa ter sido implantado de forma inconsciente, este foi o modelo usado no processo de escravização dos povos africanos e das populações ameríndias. Seus heróis, seus valores, sua cultura, sua concepção de mundo foram finalmente pulverizados e transformados em matéria prima do folclore.
            O "eurocentrísmo', a visão de mundo a partir da perspectiva européia, fez com que a vasta maioria dos livros e enciclopédias não registrassem a história das grandes civilizações africanas, à exemplo do grande Império de Mali, de cuja influência havia se beneficiado metade do mundo civilizado do século quatorze. Seu ouro foi o combustível comercial do mundo, proveu metal para as primeiras moedas da Europa, desde os tempos de Roma. Timbuktu, a capital de Mali, foi descrita um século e meio mais tarde por Léo, o Afficanus, como a cidade do conhecimento e letras. Ele havia notado o grande mercado de livros manuscritos e chegou a relatar que mais lucro se fazia da venda de livros que de qualquer outra mercadoria. Apesar da imponência e grandeza de tal império, sua história continua esquecida nos livros escolares. O mesmo modelo de obnubilação da memória e aniquilação cultural se repetiu nas Américas, no caso das civilizações Maya e Asteca; um processo que teve seu inicio com a chegada de Colombo (1492) e ainda se arrasta até o presente dia.
            Raramente se encontram nos atuais livros escolares e enciclopédias a simples menção do grande Império Asteca, cuja capital Tenoclitifián, tanto impressionou os primeiros espanhóis, tendo levado Bernal Diaz del Castillo a escrever que "aqueles que estiveram em Roma ou Constantinopla, dizem que, em termos de conforto, regularidade e população, nunca viram nada semelhante." Quando o pintor alemão Albrecht Düer viu, em Bruxelas no ano de 1520, os trabalhos de arte Mexicanos enviados por Cortez ao Imperador Carlos V, ele escreveu em seu diário o: "Eu não posso me lembrar de ter isto nada em minha vida que me deleitasse tanto. Foram realmente prodigiosos trabalhos de arte e eu me maravilhei com o gênio sutil de homens em terras distantes. Eu não posso encontrar palavras para descrever o que tenho visto."
            Repetiu-se também no caso dos índios brasileiros, os quais foram igualmente dizimados, sem qualquer chance de defesa, seja pelas armas de fogo ou pelas doenças introduzidas em seu meio, ou ainda pelos processos de exploração econômica e humana, os quais acabaram por destruir costumes, leis, ritos, línguas, enfim, a obliterar sua própria história. No Brasil, os pouco mais de 250.000 sobreviventes, de uma população inicial estimada em cerca de 5 milhões de indígenas, encontram-se agora acantonadas em pequenas aldeias, objetos de estudos antropológicos, pequenos "bichinhos de estimação" a serem preservados em seu habitat e condição natural. A história passada e presente de sua verdadeira contribuição continua esquecida; sua riqueza e diversidade cultural desprezada. Nem sequer o fato de ainda existir mais de 180 diferentes idiomas e dialetos indígenas no Brasil, é motivo suficiente para realçar a beleza e riqueza de sua diversidade.
            Quanto aos negros, não bastasse os três séculos e meio de escravidão, a Abolição apenas os colocou "no olho da rua', sem nenhum amparo e à sorte do mercado. A Abolição significou uma liberdade duvidosa, já que não tendo os meios de subsistência, nem encontrando uma estrutura social de apoio à nova situação, forçou a muitos retornarem à casa de antigo senhor. Vale lembrar que somente entre os anos de 1888 e 1900, o estado de São Paulo receberia cerca de 300.000 imigrantes, os quais chegaram ao país com o apoio oficial e gozando de alguns benefícios não disponíveis aos negros recém libertos. Passados pouco mais de cem anos, a discriminação racial continua sentida e vivida diariamente. Ela está incorporada de forma invisível no dia-a-dia da nação e, por isso mesmo, ficou difícil de ser encontrada em um só lugar. Ela está em toda parte: está na imagem estereotipada do negro na literatura escolar, onde ele não se vê retratado como cidadão, onde não encontra seus heróis, onde também não tem história; está na tela da TV, onde ele invariavelmente aparece em segundo plano; destaque mesmo só nas páginas policiais. E que quadro mais patético e desolador continuar vendo milhares de crianças negras tendo como brinquedo, quase que exclusivamente, suas loiras bonecas de olhos azuis! O quadro é revelador da existência de um "ciclo de opressão" operando "invisivelmente" e já totalmente incorporado na cultura brasileira.
            Pensar e repensar soluções também é preciso e a pergunta que se faz urgente é: como ajudar a transformar a atual realidade? Outro caminho não temos, senão o de rescrever e recontar a história, reconhecer e valorizar todos os heróis, trazer à luz todas as nossas raízes culturais e têlas em grande consideração! É preciso passar a limpo os currículos escolares e outros materiais didáticos, fontes que tem sido de uma imagem deturpada de negros e índios. Os ditos "brancos" precisam rever seu sentimento inerente, e por vezes até subconsciente, de superioridade racial. Mas se o racismo pode ser considerado uma doença, então os negros e índios estão igualmente infectados, pois carregam consigo um sentimento de inferioridade e de suspeita em relação aos brancos, feridas que precisam ser curadas. Em todos os casos é preciso não apenas uma política e legislação apropriadas, mas principalmente uma mudança dentro do coração.
            Toqueville, historiador americano do século passado, declarou: "A lei pode destruir a servidão; mas apenas Deus poderia fazer desaparecer as suas marcas". Outro eminente historiador chegou a descrever a religião como "uma faculdade da natureza humana", num reconhecimento de sua influência sobre as expressões vitais da civilização e seu efeito sobre as leis e a moralidade e numa demonstração do verdadeiro papel das religiões.
            Bahá'u'lláh, o fundador da Fé Bahá'í, religião que reúne mais de 5 milhões de adeptos em mais de 200 países e representando mais de 2. 100 diferentes grupos culturais e étnicos, traz à luz o conceito da Cidadania Mundial e prevê que os currículos escolares precisam enfatizar os princípios da Unidade da Humanidade e da Unídade na Diversidade. Enquanto um explica e expõe a unidade fundamental da espécie humana, já comprovada amplamente pela Antropologia, a Fisiologia e a Psicologia, ainda que infinitamente variada no que se refere aos aspectos secundários da vida; o segundo indica o quanto, em um mundo cada vez mais globalizado, é preciso reconhecer e valorizar os elementos culturais dos diversos povos da Terra, como uma fórmula única de afastar os antigos demônios das lutas étnicas e raciais, para o estabelecimento da paz no mundo e a sobrevivência da própria espécie. "É a diversidade de cor, tipo e forma que enriquece e adorna um jardim, tornando mais agradável o seu efeito', escreveu 'Abdu'l-Bahá, pensador e sábio persa.
            Uma importante questão a mais: o reconhecimento da diversidade cultural intrínseca ao povo brasileiro, não pode ficar restrito ao simples multiculturalismo e etnocentrísmo, onde cada grupo acaba se fechando em si mesmo, criando guetos, perpetuando estígnias e privando o todo dos benefícios da interação cultural. É preciso ir além e despertar também a consciência de que vivemos em um só mundo e que pertencemos à mesma espécie. 

* Gabriel Marques é autor do livro Da Senzala à Unidade   Racial; membro da ALARA - Afro-Latin American Research Association; Mestrando em Desenvolvimento Social da América Latina.
http://www.bahai.org.br/racial/pensar.html 

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Márcio Thomaz Bastos assume defesa da política de cotas raciais


Por Suzana Varjão

Um dos mais destacados juristas brasileiros, Márcio Thomaz Bastos acaba de ser admitido como defensor da política de reserva de vagas para negros nas unidades de ensino superior do País. Ao adotar o sistema de cotas, a Universidade de Brasília (UnB) foi contestada pelo Partido Democratas (DEM), que ajuizou ação no Supremo Tribunal Federal (STF), arguindo a inconstitucionalidade da medida. O ex-ministro da Justiça pediu para ser ouvido sobre o assunto no STF, que acatou a solicitação.
A UnB decidiu adotar o sistema de cotas em 2004, porque “a universidade brasileira é um espaço de formação de profissionais de maioria esmagadoramente branca”, e, “ao manter apenas um segmento étnico na construção do pensamento dos problemas nacionais, a oferta de soluções se torna limitada”, como registrado no site da instituição. Entretanto, o DEM entrou com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), alegando violação de princípio constitucional.

AMICUS CURIAE – A ADPF 186 está para ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal, mas a Associação Nacional dos Advogados Afrodescendentes (ANAAD), representada, gratuitamente, pelo escritório de Márcio Thomaz Bastos, solicitou a admissão formal de sua intervenção no processo, na qualidade de Amicus Curiae. Um dos principais articuladores da estratégia, o presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), advogado Eloi Ferreira de Araujo, comemorou o deferimento do pedido.
O Amicus Curiae (“Amigo da Corte”, em latim) está inserido na legislação brasileira – mais precisamente, no parágrafo 2º, artigo 7º da Lei 9.868, de 1999. Resumidamente, consiste numa figura jurídica que, não fazendo parte de determinado processo, solicita audiência em julgamentos de grande relevância para a sociedade, com o intuito de prover os tribunais de informações sobre questões com grau elevado de complexidade, como é o caso do sistema de cotas.

ARTICULAÇÃO – Carlos Alves Moura, advogado e ex-assessor da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, acompanhou de perto o trabalho de articulação do então titular da SEPPIR, Eloi Ferreira de Araujo, junto à ANAAD e ao jurista Márcio Thomaz Bastos. E também comemora o resultado positivo da petição encaminhada ao ministro do STF e relator do processo, Ricardo Lewandowski.
– Conseguir esse patrocínio de um dos maiores juristas do País é um ganho muito grande para a causa, resume Moura.
Eloi Ferreira explica que a decisão de buscar o apoio de Thomaz Bastos deveu-se ao risco de reversão do processo de inclusão da população descendente de africanos escravizados nas universidades públicas brasileiras. Após a instituição da reserva de vagas para negros, pela UnB, e do grande debate aberto a partir da adoção desta medida, várias outras unidades aderiram ao sistema (ver quadro abaixo), aumentando consideravelmente o número de afrodescendentes na rede de ensino superior do País.

ARGUMENTOS – Foi exatamente o impacto social provocado pela decisão do STF que a ANAAD arguiu, para afirmar a relevância da matéria a ser julgada e justificar o recurso do Amicus Curiae. Os efeitos negativos sobre as universidades que já adotam o sistema de cotas e os matriculados e diplomados a partir deste critério de seleção são algumas das consequências listadas pelos advogados, e que deverão ser levadas em consideração pelos ministros do Supremo.
Para além do mérito da questão sob análise, a ANAAD questiona a validade do instrumento jurídico empregado pelo DEM. Pela Lei 9.882/99 (artigo 4º, parágrafo 1º), a ADPF só pode ser usada quando não há “qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade”. Na petição, os advogados lembram que “à época da propositura da ação, sustentava-se que a ADPF seria o único meio para questionar a constitucionalidade da reserva de vagas por critérios raciais nas universidades”.

ESTATUTO – A partir, porém, da entrada em vigor do Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010), houve “uma mudança relevante no cenário legislativo, quando comparados o momento em que a ação foi proposta e o momento atual. As normas sobre o tema mudaram de tal forma que a ADPF perdeu seu sentido original”, argumentam. Se antes a política de reserva de vagas da UnB tinha como único norte a Constituição Federal, o Estatuto, agora, é o seu referencial direto.
Mas é no capítulo sobre as “Razões de mérito” que se encontra o cerne do debate. Demonstrando que, “a despeito das boas intenções normativas”, as estatísticas apontam desequilíbrios gritantes entre negros e não-negros, argumenta-se que “a política que tem como enfoque apenas a superação das distinções socioeconômicas não é suficiente para resolver o antigo problema da discriminação e do preconceito”.
Chamando a atenção sobre a importância de não se confundir “a disctinctio necessária à realização do princípio da igualdade de oportunidade com a discriminação odiosa proibida pela norma constitucional”, o documento-manifesto lembra que “é tarefa do Direito reconhecer critérios legítimos de distinção, equiparando condições desiguais”. E sinaliza:
“Somente quando a igualdade formal se traduzir em igualdade real poderemos nos orgulhar da consolidação da nossa democracia” (POCHMANN, em Retrato das desigualdades de gênero e raça).
 
 Foto:Suzana Varjão / FCP 
 
 
 
O então titular da SEPPIR foi um dos principais articuladores da estratégia

Trechos da petição

Leia, aqui, alguns trechos da petição encaminhada pela Associação Nacional dos Advogados Afrodescendentes (ANAAD) e deferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
“[...] Trata-se, a toda evidência, de uma política que busca a harmonia social, criando condições para superar a cultura historicamente arraigada de preconceito contra o negro. Nada tem a ver com incitação ao ódio, nem com segregação, como nos temores projetados pelo anacronismo de certo tipo de pensamento conservador. Muito pelo contrário. Odiosa é a discriminação fundada no preconceito racial, não os meios legítimos, jurídicos e eficazes para combatê-la [...]”.
“[...] Estamos falando de pessoas que aguardam os resultados de um compromisso histórico – o fim efetivo da desigualdade entre brancos e negros – e que sofrem as consequências de um projeto inacabado [...]”.
“[...] A abolição não foi acompanhada por políticas capazes de acolher os libertos na sociedade brasileira, depois de tantos anos segregados. Isso faz com que, até hoje, descendentes de escravos sofram na pele – e por causa da cor de sua pele – as consequências desse período [...]. Afinal, o estatuto de pessoas juridicamente livres não garantiu uma transformação substancial na condição de excluídos dos antigos escravos” [...].
“[...] É preciso finalmente que o mundo jurídico desperte para a consciência ética da vulnerabilidade da condição social do negro” [...].
“[...] Mudar esse estado de coisas não é tarefa fácil. A transformação não aconteceu nem acontecerá de um dia para o outro. Tampouco será fruto da mera passagem do tempo” [...].
“[...] A discriminação positiva introduz tratamento desigual para produzir, no futuro e em concreto, a igualdade. É constitucionalmente legítima, porque se constitui em instrumento para obter a igualdade real” [...]
“[...] Não é a idéia biológica de ‘raça’ que autoriza, no caso, a distinção no acesso às vagas do ensino superior, mas simplesmente a condição social mais vulnerável associada ao negro pobre, vítima histórica de preconceito e discriminação [...]”.
“[...] Não é mais possível, neste estágio da evolução do pensamento jurídico, confundir a disctinctio necessária à realização do princípio da igualdade de oportunidade com a discriminação odiosa proibida pela norma constitucional [...]”.
“[...] O fenótipo pode ser objeto de uma distinção favorável, sem que caracterize ‘ racismo às avessas’, porque está associado ao fato de uma situação histórica de marginalização em um país duramente marcado pela escravidão. Ser negro, no Brasil, indica mais do que uma característica física – é também uma condição social [...]”.
“[...] O critério de distinção, no caso da reserva de vagas para negros, remete a uma condição social de preconceito e discriminação identificável pelo fenótipo [...]”.

Márcio Thomaz Bastos

Márcio Thomaz Bastos vinculou, desde cedo, sua atividade profissional à militância política. Trabalhou em quase mil julgamentos, quase sempre defendendo gratuitamente acusados que não tinham condições de arcar com honorários advocatícios, tendo atuado na acusação dos assassinos de Chico Mendes – um dos vários casos de grande repercussão dos quais tomou parte.
Fundador e chefe de um dos mais respeitados escritórios de advocacia do País, deixou o grupo em 2003, para ocupar o cargo de ministro da Justiça, destacando-se, dentre outros feitos, pela reestruturação da Polícia Federal, pela aprovação da Emenda Constitucional 45 (Reforma do Poder Judiciário), pela defesa do Estatuto do Desarmamento e por ter dado início à reestruturação do Sistema Brasileiro de Concorrência.
Recentemente, ao lado de profissionais liberais, fundou o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). Dentre outras bandeiras de luta do movimento social brasileiro, Márcio Thomaz Bastos defende o controle externo do judiciário e a ampliação do sistema de penas alternativas.

ANAAD

A Associação Nacional dos Advogados Afrodescendentes (ANAAD) é uma organização civil sem fins lucrativos, que tem por objetivo “incentivar o desenvolvimento social, cultural, moral e educacional dos afrodescendentes”. Fundada há 10 anos e sediada na cidade de Salvador (BA), congrega advogados, estudantes e professores de Direito com ascendência africana e “ligados à causa da defesa dos direitos humanos da comunidade negra”.
Dentre os princípios estabelecidos em seu Estatuto Social, estão “defender a valorização das origens étnicas dos afrodescendentes, bem assim, seus valores culturais, políticos e religiosos [...]”; e “desenvolver políticas e ações efetivas e afirmativas em defesa dos direitos inerentes à cidadania, primordialmente, dos associados afro-descendentes, bem assim, de todos os demais cidadãos”.
Os princípios registrados no Estatuto da entidade vêm se traduzindo em ações efetivas, com a realização de cursos de capacitação para advogados afrodescendentes e atendimento jurídico gratuito para africanos, afro-brasileiros e pessoas de baixa renda em geral – o que confere à ANAAD a representatividade e a legitimidade exigidas pelo Supremo Tribunal Federal para a admissão como “Amigo da Corte”.
Grande referência da política de valorização dos advogados afro-brasileiros, Sílvia Cerqueira também colaborou para a iniciativa. Uma das fundadoras da Associação, Cerqueira atua na ANAAD e preside a Comissão Nacional de Promoção da Igualdade do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Sua liderança política levou-a à segunda suplência do Senador Walter Pinheiro (PT-BA), também atento à questão racial.

Ações afirmativas & Cotas

Ações Afirmativas são políticas públicas instituídas com o objetivo de promover a ascensão de grupos socialmente vulneráveis, combatendo as desigualdades resultantes de processos de discriminação negativa. A reserva de vagas para estudantes negros nas universidades públicas do País é uma destas políticas, e está prevista na legislação brasileira.
Foi a Lei 3.708/01 que institui o sistema de cotas para estudantes autodeclarados negros ou pardos, reservando a este segmento um percentual de 40% das vagas das universidades estaduais do Rio de Janeiro – o que passou a ser aplicado no Vestibular de 2002 da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF).
Mas foi a decisão da Universidade de Brasília (âmbito federal), de adotar o sistema, que colocou o assunto no centro do debate nacional, provocando a adesão de outras instituições e aumentando consideravelmente o número de estudantes negros na rede pública de ensino superior do País. Hoje, os cotistas correspondem a 18,6% dos alunos da UnB, o que equivale a quatro mil estudantes negros.

Universidades que adotam as cotas

Veja, abaixo, a relação de algumas das universidades brasileiras que têm programas de ação afirmativa
Universidade de Brasília
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Universidade Estadual de Montes Claros
Universidade do Estado da Bahia
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Universidade Estadual do Norte Fluminense
Universidade Federal do Acre
Universidade Federal de Alagoas
Universidade Estadual da Paraíba
Universidade Federal da Bahia
Universidade Federal de Goiás
Universidade Federal do Espírito Santo
Universidade do Estado de Minas Gerais
Universidade Federal do Maranhão
Universidade Federal do Pará
Universidade Federal da Paraíba
Universidade Federal do Paraná
Universidade Federal de Pernambuco
Universidade Federal do Piauí
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Universidade Tecnológica Federal do Paraná
Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia
Universidade do Estado de Mato Grosso
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Universidade Estadual de Londrina
Universidade Federal de Santa Catarina
Universidade Federal de Juiz de Fora