
 
Um grupo de diplomatas brasileiros entregou nesta  semana ao Ministério das Relações Exteriores uma carta que pede melhorias na  orientação e acompanhamento dado a diplomatas que viajam para locais de  risco.
Em uma iniciativa raramente vista na chancelaria, o documento foi  entregue após a morte da diplomata acreana Milena Oliveira de Medeiros, de 35  anos. Ela foi vítima de um quadro agudo de malária, que contraiu durante uma  viagem a serviço do governo para Malabo, na Guiné Equatorial.
A carta,  assinado por ‘colegas e amigos de Milena de Medeiros’, diz que ela ‘não recebeu  nenhuma instrução institucional específica sobre as doenças que poderia  contrair, não lhe foram indicadas formas de prevenção ou cuidados a serem  observados durante e depois da viagem’ no país africano antes de deixar  Brasília, em 20 de novembro.
Segundo o documento, os 21 diplomatas que  viajaram a Malabo receberam repelentes e advertências sobre a possibilidade de  contrair malária por iniciativa independente da embaixada brasileira no  local.
Entre eles, somente Milena apresentou sintomas da  doença.
Endereçada ao Ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, a  carta foi assinada por 84 diplomatas da turma de Medeiros que ingressou no  Instituto em 2009, e foi entregue no gabinete ministerial. O documento deve ser  encaminhado novamente ao chanceler, assim que ele retornar ao Brasil, no início  do ano.
O Itamaraty confirmou à BBC Brasil o recebimento da carta e disse  ‘estar analisando o documento com muito cuidado e atenção, em um momento de  muita dor e tristeza para todo o Ministério’. Uma resposta formal aos pedidos e  sugestões feitos no documento será dada, segundo o órgão, apenas no início de  2012.
Agravantes
A carta afirma que a situação da diplomata foi agravada  pelo fato de que ela não recebeu do Ministério ‘orientação adequada quanto aos  sintomas da doença e quanto a profissionais e instituições aptas a prestar  atendimento especializado em Brasília’.
Além disso, segundo o documento,  houve demora na realização do exame de malária e na obtenção do medicamento para  o tratamento da doença.
De acordo com amigos e familiares, a diplomata  apresentou os primeiros sintomas, febre e dor de garganta, no dia 30 de  novembro, três dias depois de voltar ao Brasil.
Ela se submeteu à primeira  consulta médica no dia 5 de dezembro e fez um exame de malária, cujo resultado  só sairia em 15 dias.
Em regiões do país afetadas pela doença, como o Acre,  estado natal de Milena, o resultado de um exame de malária é disponibilizado no  mesmo dia.
O médico teria recomendado a internação, mas Medeiros, segundo a  carta, ‘sem um diagnóstico definitivo e sem suspeitar da gravidade do caso,  optou por continuar em casa, procurando o hospital mais duas vezes naquela  semana’.
Afastamento
O documento afirma que depois da primeira consulta  médica, o Serviço de Atendimento Médico e Social do MRE foi notificado do  afastamento da diplomata sob suspeita da doença duas vezes, nos dias 7 e 12 de  dezembro, mas só interveio no dia 17 de setembro, ‘por meio de visita ao  hospital’.
O Serviço teria ficado sem médicos disponíveis durante uma semana,  entre 7 e 15 de dezembro, já que todos estariam de férias ou  licenças.
‘Caberia determinar, com objetividade e espírito construtivo, as  falhas que possam ter ocorrido no caso, bem como as ações necessárias para  corrigi-las’, diz o texto da carta.
Medeiros foi internada na UTI, no dia 10  de dezembro. No dia 17, os médicos do Hospital Brasília anunciaram a morte  cerebral a familiares e amigos. Ela morreu na manhã da segunda-feira.
‘A  senhora Raimunda Carneiro, mãe de Milena, expressou, em conversa com alguns de  nós, o desejo de que o caso de sua filha servisse para evitar que outros jovens  e suas famílias experimentassem situações de tanto sofrimento no futuro’,  afirmam os diplomatas na carta.
Prevenção
O documento cita o sistema de  gerenciamento de riscos da ONU como exemplo do procedimento que, segundo a  carta, faltaria ao Itamaraty.
A ONU exige que seus funcionários obtenham um  documento especial para viagens a regiões consideradas de risco, que são  classificadas segundo cinco níveis de segurança.
Um dos pré-requisitos para a  obtenção da autorização é a aprovação em um teste sobre os riscos específicos do  país a ser visitado.
Segundo o grupo que elaborou a carta, o Ministério da  Saúde e a Agência Nacional de Vigilância em Saúde (Anvisa) recomendam, em um  guia específico para a prevenção da malária em viajantes, de 2008, a avaliação  prévia do risco de o viajante adquirir malária no destino incluindo a análise do  roteiro da viagem por um profissional de saúde.
O guia também diz que o  viajante para uma região onde a malária é endêmica deve ter ‘acesso precoce ao  diagnóstico e ao tratamento’ da doença.
Primeiros socorros
Em resposta a  um texto criticando o Itamaraty publicado no blog do jornalista Luis Nassif, a  assessoria do MRE disse que o Serviço de Atendimento possui um médico  especialista em doenças tropicais, cedido pelo governo do Distrito Federal, e  que solicitou em 2009 a contratação de profissionais de outras  especialidades.
Afirmou ainda que o Serviço orienta funcionários doentes a  buscar atendimento especializado, já que por lei, só é obrigado a realizar  perícias médicas e atendimento de primeiros socorros.
De acordo com a  assessoria, o ministério está ‘intensificando suas atividades de divulgação de  medidas profiláticas e de identificação de sintomas, o que se fará inicialmente  por meio da elaboração de cartilha específica de orientação’.
Em 2006, o  governo federal aprovou cerca de 400 novas vagas para o Itamaraty. Os alunos  ingressam na carreira diplomática após um ano e meio de curso  preparatório.
Desde 2007, o Itamaraty abriu 35 novos postos em países como  Congo, Geórgia, Serra Leoa e Bósnia e tem embaixadas abertas por decreto, mas  não de fato, em Bagdá e em Cabul.
Fonte: G1